Quando os medos chegam

 Quando os medos chegam e os pensamentos negativos me devoram. Quando as inseguranças expandem e as crenças limitantes se agigantam. 

Não sou suficiente.

Ninguém gosta de mim.

Não vai resultar.

Não vou conseguir.

Vou ser abandonada.

A cada passo que dou para me colocar mais no mundo, segue-se um recuo. Durante muito tempo nem me apercebi que isto era um padrão. Só quando olhei para o meu trauma de nascimento é que compreendi que faço este movimento uma e outra vez como se não houvesse outra forma.

A minha mãe entrou em trabalho de parto num ápice. Como boa carneira eu quis vir ao mundo cheia de pressa, sem pré-aviso e a gerar caos à minha volta. Já ao nascer eu vim para incomodar... como posso querer eu fugir desta minha missão?!

Vim com pressa, mas assim que vi a luz ao fundo do túnel arrependi-me. Voltei para dentro, para o cantinho, para o confortável. Quis esconder-me e não vir pra vida. Vim à força, pressionada, engasgada na minha própria água e com defeito de fabrico. Comecei a vida em modo sobrevivência e, na verdade, apesar de fisicamente ter saído dele, psicologicamente creio que nunca conheci outra forma.

Por isso, não é de estranhar que repita todo o processo de cada vez que quero colocar-me na vida, seja de que forma for. Mas é particularmente interessante perceber este padrão quando quero colocar as minhas criações no mundo.

Ontem partilhei com os subscritores da minha newsletter a minha intenção de começar a facilitar aulas regulares de dança terapêutica a partir de setembro. Um pedido da minha alma que tem gritado por mim nos últimos tempos e que ontem no impulso decidi assumir pro mundo que o vou fazer. Dei o tiro de partida pra vir pra vida enquanto facilitadora de dança (essa identidade que ainda me faz sentir impostora) e o que aconteceu a seguir? Hoje não quis sair da cama, quis dormir eternamente e fugir da realidade. Quis esconder-me e voltar atrás.

Tudo dentro de mim começou a gritar, o meu crítico interno disparou, surgiram as mil dúvidas e inseguranças. O meu corpo contraiu-se e tudo ficou negro.

Nesta fase em que a vida me está a convidar a crescer e a assumir a minha grandeza, em que as oportunidades me estão a chegar e eu estou disponível para lhes dizer sim, estou a deparar-me também com um novo desconforto. Aprender a lidar com as emoções que surgem não das coisas más, mas sim das coisas boas. Aprender a aceitar que sou merecedora de tudo de bom que me tem chegado e aceitar receber tudo isso com leveza, sem precisar tornar o caminho difícil. Ele está totalmente aberto para mim e eu só preciso seguir em frente com confiança. É só isso que me está a ser pedido. Só que a menina que sempre viveu em modo sobrevivência, não consegue acreditar que o caminho possa ser assim tão fácil de percorrer. Tem dificuldade em acreditar que isto possa ser real e tem medo de se estar a iludir.

Como assim a vida pode ser fácil?!

Isto é mesmo muito estranho para mim. Quando tudo se apresenta fácil, a minha primeira tentação é dificultar o meu próprio caminho. Afinal cresci a ouvir que as coisas só têm valor se vierem do nosso esforço.

Hoje sei que isso não é verdade, mas o meu inconsciente ainda não está convencido. Aceitar o fácil e o prazeroso é um dos meus "trabalhos" nesta vida. É todo um processo de cura a fazer.

Por isso, é tão difícil controlar as autossabotagens que surgem a cada passo que dou em direção aos meus sonhos e àquilo que amo.

Estou aqui hoje a escrever sobre isto porque sinto que este é o processo de transmutação. Eu já sei que faz parte do meu caminho sentir tudo bem fundo e evoluir a partir das minhas emoções. A minha montanha russa emocional faz parte de mim e, no fundo, começo a gostar dela. Começo a gostar de compreender cada momento que vivo através dos sinais do meu corpo, das sensações que revelam aquilo que sinto verdadeiramente e da linguagem sensitiva que me aponta o caminho a todo o momento. Começo a aceitar que esta é mesmo a minha maior força. E por isso estou aqui a partilhar tudo isto, porque trazer as nossas sombras para a luz é melhor forma de lhes retirar o poder que exercem sobre nós. E porque quero cada vez mais assumir a minha humanidade, os meus medos, as minhas falhas e imperfeições. Porque acredito que a nossa força só existe a partir daí e é isso o que mais nos inspira.

Sigo um dia de cada vez. Relembrando-me de olhar de frente para aquilo que vai dentro de mim, acolhendo e permitindo-me sentir, sem fugir, sem rejeitar. Acolho, mas não me afogo. Acolho e transmuto. Sinto a dor, movo a dor, choro a dor e crio a partir dela.

Na verdade, a nossa dor é das nossas melhores matérias-primas. E a prova disso é esta partilha. 

Hoje, dei-me umas horas de vitimismo, chorei, levantei-me da cama, tomei um banho gelado e vim escrever sobre o que estou a sentir. A minha dor agora dói menos. Podia ter ficado a criar mais dor com ela, mas escolhi criar palavras, criar partilha, criar conexão. É sempre uma escolha. Hoje consegui fazê-la, amanhã talvez não. E está tudo bem. Porque sou humana e às vezes, muitas vezes, é o vitimismo que ganha. A parte boa da cura é que ele ganha cada vez menos.

E assim sigo, seguimos. Um dia de cada vez.

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